9 de setembro de 2010

Arquitecto Nuno Teotónio Pereira homenageado pela Câmara Municipal de Marvão (2)

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Para a história desta homenagem, que o Movimento por Marvão saúda, pela sua importância e oportunidade, deixamos aqui a intervenção do arquitecto Nuno Teotónio Pereira, que na ocasião foi lida pelo seu neto, Tiago Pereira.


"Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Municipal,
Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal,
Exmos. Deputados Municipais,
Exmos. Membros do Executivo,
Caros Munícipes,

A Câmara Municipal de Marvão entendeu por bem atribuir-me a Medalha de Mérito, alegando o meu “contributo na divulgação do concelho de Marvão”.

Tendo nascido em Lisboa, desde jovem me interessei por entender Portugal, sobretudo a partir da minha profissão de arquitecto, que me levou a procurar conhecer os monumentos e as regiões mais notáveis e, muitas vezes, menos divulgadas. Foi neste contexto que descobri Marvão, nos anos 60 do século passado, após uma subida penosa por uma estrada muita sinuosa e esburacada, tendo ficado deslumbrado pelo seu conjunto monumental integrado numa magnífica paisagem. O que me fascinou especialmente foi a vila medieval encimando uma cumeada surpreendente e muito bem aconchegada na encosta.

De tal maneira ficámos apaixonados pelo lugar, que em 1966 eu e minha mulher acabámos por aí comprar uma casa para passarmos as férias, numa altura em que foi já mais suave a subida da encosta, visto ter sido recuperada aquela estrada, a qual ficou conhecida como a estrada do Jeremias, fruto do seu empenho na sua recuperação. Esta casa serviria igualmente de ponto de encontro e de estadia a numerosos amigos que, também eles, tiveram a oportunidade de aprofundar a sua relação com a região.

Foi nessa altura que a casa de Marvão serviu como ponto de apoio para actividades em que ambos estivemos envolvidos, no âmbito do combate à ditadura salazarista. A esse propósito, foi-me mais tarde relatado por um elemento da GNR que, se algum carro estacionasse com alguma demora à nossa porta, deveria ser enviado um sinal para a PIDE de Portalegre, utilizando a seguinte expressão: “chegou a encomenda!”, sendo que pouco depois um carro dessa corporação estacionava junto da casa com o fim de identificar os visitantes.

Pela mesma época, tirando partido do conhecimento que tínhamos das redondezas e das rotas utilizadas no contrabando, organizámos várias fugas de jovens mobilizados para a guerra colonial que decidiam sair do país clandestinamente. Juntamente com os nossos filhos, para dar um aspecto de passeio, rumávamos por um caminho estreito até à localidade fronteiriça de La Fontañera, onde uma antiga ponte de pedra possibilitava o atravessamento do rio Sever, que demarcava a fronteira; entretanto, um carro de algum amigo atravessava legalmente a fronteira, indo recolher os fugitivos pelo lado espanhol e conduzindo-os até à cidade mais próxima servida por transportes colectivos, que eles livremente tomavam, na direcção da fronteira francesa.

Mais tarde, fui encarregado de fazer os planos de urbanização de Castelo de Vide e Póvoa e Meadas, o que me levou, durante alguns anos, a utilizar a casa de Marvão com bastante frequência. Estas deslocações, somando-se às estadias nas férias grandes, levaram-me a tecer laços fortes com o concelho e os seus habitantes; também as aproveitava para levar comigo pessoas amigas a quem, com frequência, emprestava a casa para períodos de férias; para todas essas pessoas, Marvão passou a ser uma referência.

Foi neste quadro que fiz parte, em 1969, da lista da CDE (Comissão Democrática Eleitoral) nas eleições para a Assembleia Nacional, pelo círculo de Portalegre. Tendo tentado entregar as assinaturas necessárias para o efeito, foi-nos barrado o acesso ao Governo Civil de Portalegre por já passarem 30 minutos da hora estabelecida. Este atraso ficou a dever-se ao facto de uma grande parte das pessoas abordadas, apesar de algumas serem conhecidas por oposicionistas, terem tido receio de colocar na lista o respectivo nome. Apesar deste fracasso, procurámos, aproveitando as liberdades concedidas durante esse período, desenvolver uma activa campanha contra o regime ditatorial. Em 1975, fui cabeça de lista do Movimento de Esquerda Socialista (MES) nas eleições para a Assembleia Constituinte, no distrito de Portalegre, e, anos mais tarde, mandatário do Bloco de Esquerda em eleições legislativas. Actualmente, sou filiado no PS.

De então para cá, sempre tenho estado ligado a Marvão, dado que a nossa casa passou a funcionar como residência permanente da família de meu filho Miguel Teotónio Pereira.

Neste momento tão especial quero também congratular-me com a homenagem que é, finalmente, prestada a Jeremias da Conceição Dias, por mim reclamada em artigo publicado no Jornal Público em 10/10/1994, de quem tive o privilégio de ser amigo e admirador da sua luta incessante pela defesa do património de Marvão.


Marvão, 8 de Setembro de 2010
Nuno Teotónio Pereira"


Tiago Pereira, neto de Nuno Teotónio Pereira, lendo discurso do avô

O neto, Tiago Pereira e o filho, Miguel Teotónio Pereira, do arquitecto Nuno Teotónio Pereira

Fernanda Fernandes e o filho Tiago Pereira
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